quarta-feira, 11 de junho de 2008

A liberdade depende da publicidade?

Pela importância da reflexão, republico do Observatório, o texto do professor Venício Lima, sobre a falta de limites da publicidade nos meios de comunicação.

*ANÚNCIOS & INFORMAÇÃO: Qual a prioridade, publicidade ou notícia?*

Por Venício A. de Lima em 10/6/2008

Na contramão das muitas evidências contemporâneas sobre o jornalismo das grandes corporações (o "jornalismo sitiado") e sobre a espetacularização e a mercantilização da notícia, o discurso de empresários e "formadores de opinião" insiste em defender a publicidade como garantia da liberdade de imprensa e do direito à informação. Quanto maior e mais diversificado o número de anunciantes, maior seria a independência e autonomia da mídia, tanto do Estado quanto do próprio poder econômico e, portanto, mais liberdade haveria para que ela exercesse seu papel de servir ao interesse público e bem informar ao cidadão.

Nesse discurso, por exemplo, não há espaço para a existência de "limites" à publicidade. Foi esse entendimento que prevaleceu, recentemente, em relação ao projeto do Executivo sobre a fixação de horários para a publicidade de cerveja (ver, neste *Observatório*, "Cervejas, publicidade e direito à
informação").
Eventuais limites são considerados, pelos empresários de mídia e de publicidade, como cerceamento, ou melhor, censura da "liberdade de informação comercial".

Existem, todavia, aspectos da questão geral que são raramente lembrados.
Dois exemplos:
*1.* Qual o espaço total que os anúncios devem ocupar em um jornal, uma revista ou na programação de uma emissora de rádio ou de televisão? Deveria haver algum limite?
*2.* Deveria haver uma clara demarcação entre o espaço dos anúncios e o espaço das notícias? Qual deveria ter preferência na diagramação ou na programação?

O que vem primeiro?
Essas questões vêm a propósito não só do espaço que tem sido ocupado pela publicidade na grande mídia, como na ausência de distinção entre o espaço dos anúncios e o espaço das matérias noticiosas. Ao observador atento, cada vez mais parece que não é a publicidade que garante a informação na mídia, mas, ao contrário, é a informação que garante a publicidade ao servir de mero suporte ou pano de fundo para os anúncios.

O fenômeno é mais facilmente observável nos jornais, embora não se reduza a eles. A total liberalização do formato, do tamanho e da colocação dos anúncios nas páginas faz com que o leitor seja obrigado a "garimpar" a informação – muitas vezes mera coadjuvante na página ou, literalmente, superposta aos anúncios.

Um caso emblemático é a edição da quarta-feira (4/6) do *Correio Braziliense * [ver abaixo]. Nas páginas 6 e 7 do primeiro caderno, havia um anúncio colorido de página dupla sobre a inauguração de uma rede de lojas de varejo. As notícias funcionam como meras "molduras" deste anúncio. Nas páginas 9, 11 e 13, anúncios coloridos da mesma rede estão centralizados nas respectivas páginas e textos de reportagens aparecem superpostos a eles: na página 9, uma matéria sobre a reutilização de caixões pela "máfia da morte" está superposta a um anúncio de celulares; na página 11, uma reportagem sobre desnutrição em áreas indígenas terá que ser lida em cima de um anúncio de televisores; e na página 13, matéria sobre violência urbana no Rio de Janeiro tem que ser lida sobre um anúncio de colchões.

Nestes casos, o que vem primeiro: o direito à informação do cidadão ou os interesses comerciais do anunciante, da agência de publicidade e, obviamente, da empresa proprietária do jornal?

"Produzir" audiências
Estamos assistindo a uma inversão evidente do que deveria ser a função da mídia: prioridade ao interesse público e informação ao cidadão. O mais intrigante é que a essa inversão corresponde um acirramento da disputa "ideológica" sobre os papéis da mídia e da publicidade na democracia. Os principais atores e interesses envolvidos, sobretudo empresários de mídia e agências de publicidade, reafirmam seu discurso e, como sempre, denunciam as ameaças do Estado "à liberdade de expressão comercial".

Mais de 30 anos depois, parece que a tese defendida pelo pioneiro da economia política da comunicação, o canadense Dallas W. Smythe, em 1977, estava mesmo correta: a principal função da mídia no capitalismo é "produzir" audiências para vendê-las ao nunciante.

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