quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Belo texto de Luis Nassif, vale a pena

06/08/2007 20:33

A mídia perdeu; o país também
Luìs Nassif

Observações a partir de uma conversa com jornalista de peso

Historicamente, sempre houve uma relação tensa nas redações,
entre o chamado aquário (direção de redação) e a reportagem. Um
pensa o produto, aquilo que impacta o leitor; a reportagem traz
os fatos. Há uma lição que nenhum veículo pode ignorar: não se
pode brigar com os fatos.

Nos anos 90, esse conflito muitas vezes foi resolvido de
maneira pouco técnica: manchetes que não acompanhavam a
notícia; ênfase exclusiva nas informações que se adequavam às
teses do "aquário". Mas, de qualquer forma, procurava-se
preservar a notícia e não brigar com os fatos.

E havia razões de sobra para esses cuidados. Nos anos 80, a
falta de sensibilidade em relação aos novos ventos estigmatizou
alguns órgãos de imprensa. O mais afetado foi a Globo, acusada
de não apoiar as diretas e, depois, de parcialidade na campanha
de Fernando Collor (embora confesso não ter visto manipulação
na edição do último debate entre Lula e Collor).

Nos anos 90, a recuperação da credibilidade se deu através de
um trabalho hercúleo de Evandro Carlos de Andrade, tanto no
jornal quanto na TV, passando por isenção na cobertura,
pluralidade nas opiniões. Mesmo com os exageros de cobertura em
episódios traumáticos, mesmo com diversas ondas de denúncia
contra o governo FHC, os jornais chegaram a 2002 com a imagem
relativamente preservada. Havia mau jornalismo, os críticos
reconheciam, mas não havia alinhamento ideológico ou político
com ninguém.

Agora, essa imagem está comprometida por dois episódios em que
a soma de erros coletivos por parte da mídia atingiu proporções
inéditas.

O primeiro, as últimas eleições. Perdeu-se o senso de
reportagem e se passou a apelar incondicionalmente para
dossiês, alguns sem pé nem cabeça - como foi o caso da "Veja"
com os já clássicos "dólares de Cuba" e as "contas do governo
no exterior". Denúncias relevantes não foram apuradas; e os
jornais apostaram em um estado de espírito do leitor para
abdicar completamente do rigor e da técnica jornalística. O
resultado das eleições mostrou que as denúncias não chegaram à
maioria dos eleitores.

O segundo episódio foi agora, na cobertura do acidente com o
avião da TAM. Não há registro na história recente da imprensa
brasileira de sucessão tão grande de "barrigas". É como se as
diversas redações estivessem nas mãos de "focas", tal a relação
de impropriedades cometidas, de erros de julgamento, de
retificações sem pedidos de desculpa. O que explica essa falta
coletiva de limites?

O carnaval em torno do "top top" de Marco Aurélio Garcia visou
apenas criar uma ameaça, um alerta: não comemorem nossos erros.
O último Datafolha mostrou que o clima de caos não chegou aos
leitores.

Em outubro ou novembro do ano passado, quando falei em
"suicídio da mídia", me referia a esse fenômeno inédito, em que
praticamente todos os grandes veículos embarcaram, puxados pelo
inacreditável jornalismo de "Veja".

O pior subproduto dessa imprudência não é nem a radicalização
que começa a tomar conta do país e preocupa: é o
enfraquecimento da mídia. Se fosse apenas uma questão
financeira, problema dos administradores de cada órgão.
Acontece que - embora o controlador da Editora Abril, Roberto
Civita, pareça não saber - o jornalismo de opinião é elemento
fundamental em uma democracia. Dos poderes, é o que tem mais
agilidade para pressionar por reformas, por acertos, para
impedir abusos, para colocar limites aos demais poderes.

Mas como se faz em um país em que - pela palavra do dono de
alguns dos principais veículos - a mídia é apenas um grande
supermercado, em que convivem "príncipes dos cronistas" e o
mundo cão?

Se quisesse, a mídia poderia produzir diariamente críticas
fundamentadas contra o governo Lula. Com a banalização das
denúncias, com o enfraquecimento da reportagem, em favor do
"aquário", perdeu-se esse referencial.

A mídia perdeu muito. Mas o país também.

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